Na edição dominical do "Estado de Minas" (06/09/2009), foi publicada uma reportagem sobre o Projeto Sentidos Urbanos. A equipe do jornal, acompanhou o roteiro do bairro Antônio Dias.
Segue uma das fotos tiradas durante o trajeto e a reportagem feita pelo jornalista Gustavo Weneck:
Todos os sentidos da arte
Projeto em Ouro Preto usa o tato, a visão, o olfato e a imaginação para estreitar laços dos moradores com a história e a beleza do patrimônio da antiga Vila Rica
Ouro Preto – O roteiro começa ao som do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles (1901-1964): "Todos os sonhos barrocos deslizando pelas pedras. Pátios de seixos. Escadas. Boticas. Pontes. Conversas. Gente que chega e que passa. Ideias…". De olhos fechados, um se apoiando no ombro do outro, o grupo de professores da Escola Municipal Simão Lacerda, de Ouro Preto, na Região Central de Minas, caminha devagar pelo adro da Igreja de São Francisco de Assis (século 18), no Centro Histórico. A atividade, acompanhada de três monitores, dura poucos minutos, mas serve para apresentar detalhes da cidade que, no dia a dia, passam indiferentes a quem anda apressado pelas ruas, sem tempo de sentir a paisagem com seus ruídos, cheiros, belezas e texturas.
A experiência, parte do projeto Sentidos urbanos: patrimônio e cidadania, aguça a percepção da professora Ana Célia Ferreira, que dificilmente ouviria o canto de um galo no meio da tarde. "Mas o melhor foi sentir as pedras sob os meus pés; a gente vive correndo, nem vê direito onde pisa", afirma. Mesmo com toda a barulheira do trânsito na região, a colega Maria José Resende Magalhães consegue escutar passarinhos e diz que a presença de aves é sinônimo da tranquilidade que Ouro Preto ainda guarda. "Fechar os olhos, aqui, é uma sensação estranha, mas vale a pena para desvendar segredos e valorizar mais o conjunto arquitetônico", acredita Lucimar Mapa.
Sob o comando do professor e arquiteto Juca Villaschi, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), instituição idealizadora do programa, que conta com a parceria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop)/Secretaria de Estado da Cultura, o grupo para, agora, diante de um abacateiro, nos fundos da igreja considerada obra-prima de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Dali também se avista o Pico do Itacolomi. "O importante não é só sentir o cheiro da árvore, mas todos os demais que a cidade exala, a exemplo do mofo, córregos, chuva, vegetação, enfim, de todo o ambiente. O nosso objetivo é desvendar a alma do lugar, por meio dos sentidos ou, em alguns momentos, na completa ausência deles. É um trabalho de educação patrimonial", informa Villaschi.
COMUNIDADE Dividido em quatro roteiros, um deles noturno, o programa é dirigido à comunidade e pretende fortalecer os laços entre moradores e o espaço urbano, a fim de garantir a convivência em harmonia e maior conhecimento e preservação do patrimônio. "O foco não é o turismo, mas a cidadania", resume Villaschi. Depois de ler mais um trecho da poesia de Cecília Meireles, a estudante de artes cênicas, Ana Amaral, de 22, monitora ao lado de Paula Facio, de 22, e Natália Melo, de 24, ambas alunas do curso de turismo da Ufop, mostra outros pontos externos da igreja, caso do cemitério, onde está sepultado o pintor Guignard (1896-1962). Em seguida, ela conduz o grupo pela Rua Amália Bernhaus, que desemboca na Praça Tiradentes, ao lado do Museu da Inconfidência.
Embora o trajeto seja de cunho "sensorial" e não de informações históricas, os professores não deixam de ouvir passagens saborosas dos tempos da antiga Vila Rica. Ana chama a atenção para a fileira de pedras capistranas localizada no meio da rua. "Era comum as pessoas jogarem, pela janela, a 'água servida', sem qualquer preocupação com quem passava embaixo. Então, caminhar sobre essas lajes maiores, e não nos cantos, era garantia de não receber o conteúdo dos penicos. No século 18, havia muito fedor nas ruas, ainda mais com a presença dos 'tigrados', escravos que carregavam potes com fezes das residências e que escorriam pelo seu corpo provocando marcas", relata a estudante. Em outras vias públicas, o escoamento de água passava no centro das ruas, vindo daí, segundo o arquiteto, a palavra meio-fio, que, hoje, por sua vez, passa na lateral das ruas e avenidas.
Na Praça Tiradentes, a escadaria do museu permite mais duas atividades lúdicas – na primeira, os professores ganham protetores auriculares para abafar os sons urbanos. "Sem barulho, fica tudo muito diferente, mas dá para perceber mais a cidade", avalia a professora Tereza Cristina Silva Camelo. Em seguida, o grupo recebe dos monitores um álbum com fotos antigas para observação da praça ainda com jardins. "Prefiro com árvores, dá mais vida e beleza", observa Maria José. "Falta verde no Centro Histórico ", diz Lucimar, olhando o contorno formado pelos morros São Sebastião, da Queimada e Santana, atrás da Escola de Minas, antigo Palácio dos Governadores. Para a psicóloga Cláudia Ferraz, da Secretaria Municipal de Educação, o programa, além de despertar os educadores para a redescoberta da cidade onde vivem, permitirá que eles sejam agentes multiplicadores da ideia.
PORTAL DO TEMPO O percurso de cerca de uma hora reserva surpresas. Ao entrar numa nova rua ou beco, os guias sempre destacam a presença dos portais do tempo ou passagens entre os séculos. No Beco do Pilão, esquina com a Praça Tiradentes, Villaschi aponta a diferença na pavimentação – as pedras do século 18 e o paralelepípedo do 19 –, a diferença de temperatura, com vento encanado atravessando o beco, a proximidade dos casarões, o cheiro forte da umidade e as paredes mais estragadas. "Curioso é que o fundo das casas é sempre feio, maltratado", comentam as professoras, mais adiante, ao deparar com a parte menos visível das construções. Nas ruas que se seguem, o grupo tem oportunidade de passar as mãos pela textura das pedras e traduzir, em uma única palavra, as novas sensações sobre Ouro Preto. Cláudia vê encantamento; Tereza Cristina, beleza; Ana Célia, leveza; Maria José, tranquilidade; e Lucimar, o conjunto da obra.
Segundo Villaschi, as atividades começaram como um programa de disciplina e, em seguida, projeto de extensão universitária do departamento de turismo da Ufop. "A metodologia foi desenvolvida a partir da matéria percepção e interpretação do patrimônio ambiental urbano, fundamentada nos estudos da fenomenologia da percepção do filósofo francês Merleau Ponty (1908-1961)", explica Villaschi, que coordena as atividades com a historiadora do Iphan Simone Fernandes e a arquiteta da Faop Sandra Foschi.
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